domingo, 1 de abril de 2012

Uma sociedade em movimento na construção de um Novo Estado.

Willer Tavares Alves

 
As duas últimas décadas do século XX no Brasil foram marcadas por transformações que reconfiguraram a sociedade e o Estado brasileiro. O fim do regime militar, a abertura democrática, a Assembléia Nacional Constituinte que culminou com a Constituição de 1988, imprimiram no vocabulário político e administrativo, termos como participação popular, descentralização, controle social e outros. Esses novos conceitos apontavam para mudanças na formatação de um Estado caracterizado por condutas autoritárias, clientelistas, patrimonialistas, as quais durante alguns séculos orientaram as ações estatais, restringindo-as às classes mais abastardas e marginalizando a população mais pobre do Brasil. 

As décadas de 80 e 90 também foram marcadas pelo avanço dos ideais neoliberais no Brasil. O neoliberalismo e seus defensores trouxeram consigo a defesa da diminuição do Estado considerado demasiadamente “pesado” e cuja atuação interferia demais na vida dos indivíduos e no mercado. Dá-se então um ataque silencioso aos direitos sociais construídos à base de lutas e vidas, a fim de tornar o aparelho estatal mais leve e enfraquecê-lo no intuito de conceder maior liberdade aos indivíduos e ao mercado. 

Somam-se a este ataque as fortes investidas da elite tradicional dominante no país que buscam preservar seus privilégios, monitorando o processo de abertura democrática e traçando estratégias de manutenção do poder decisório no país.

Todavia, o vigor dos novos movimentos sociais e a intensa luta dos seus atores consegue, apesar das adversidades, imprimir no marco jurídico e na realidade política do país um modelo democrático de participação. A autora e socióloga Maria da Glória Gohn, respeitável estudiosa sobre movimentos sociais no Brasil, aponta que o modelo democrático de participação envolve lutas pela divisão de responsabilidades dentro do governo, assumindo várias frentes, tais como: a luta para construir uma linguagem democrática não-excludente, a possibilidade de acesso à informação por parte de todos os cidadãos e a existência de meios de comunicação democráticos. Neste modelo tem-se como objetivo fortalecer a sociedade civil para construção de uma nova realidade social sem desigualdade e discriminações (GONH, 2003).

Na construção desse novo modelo os movimentos sociais deflagraram inúmeras ações no intuito de pressionar o Estado a materializar os direitos sociais e de cidadania expressos na Carta Constitucional e na legislação infraconstitucional. Essa materialização é viabilizada através das políticas públicas, especialmente as de caráter social. Essas têm a capacidade de intervir na realidade social e promover transformações necessárias para superação de das diversas formas de desigualdade e preconceito.

O êxito das políticas públicas está diretamente ligado a capacidade de planejamento e organização técnica, e principalmente, de articulação política e participação social, pois “a participação dos cidadãos provê informações e diagnósticos sobre problemas públicos, gerando conhecimentos e subsídios à elaboração de estratégias para resolução de problemas e conflitos envolvidos” (GOHN, 2003, p. 43).

Isso fortalece a capacidade e a eficácia da intervenção estatal nas demandas sociais. Os mecanismos participativos podem reconfigurar a gestão pública, orientada na maioria das vezes por questões exclusivamente técnicas (revestidas de interesses e concepções ideológicas) ou influências políticas obscuras, impulsionando-a a preocupar-se mais com o bem-estar e a emancipação dos cidadãos (NOGUEIRA, 2005). 

Especificamente, o avanço das políticas públicas em gênero e raça podem ser ilustradas pela criação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Promoção da Igualdade Social (SEPPIR), ambas criadas em 2003 no início do Governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cuja vinculação orgânica com os movimentos sociais contribui significativamente no avanço de muitos ideais progressistas.

Ressalta-se, contudo, que ainda são grandes os desafios, as adversidades e obstáculos crescentes nesta sociedade capitalista. Entretanto vale destacar, a convicção que a política e a democratização da sociedade são as melhores armas para derrotá-los e assim construir um Estado mais democrático, participativo e uma sociedade mais justa e igualitária.

Grossas nuvens de fumaça, medo e sofrimento bloqueiam o entusiasmo, mas as possibilidades de avanço materializam-se a olhos vistos o que virá pela frente? Tanto quanto em qualquer outra época, a história continuará a se processar como movimento aberto, errático, repleto de alternativas. Mas a história não é apenas um jogo de circunstâncias, decisões governamentais, crises estruturais, acasos e necessidades. Nela continuarão a operar o engenho, a generalidade e o empenho democrático dos povos da terra, com suas organizações, seus líderes e suas culturas. Se o mundo se tornou mais mundo e os problemas que nos afetam são problemas globais, não há saída sem diálogo, sem perspectiva política e esforços de unificação sem soluções globais. Se os povos da terra souberem se aproximar e dar vida a ações democratizadoras combinadas, a pressões inteligentes, a alianças sustentáveis, capazes de impor suas decisões sobre todos, conseguiremos desenhar um pacto social de novo tipo – um pacto dignificar a dignidade humana sem distinções de qualquer espécie e com a devida promoção dos mais frágeis - e fazer com ele prevaleça sobre a globalização econômica. A convivência democrática pode ser mais forte que o império. E se tal vier a se dar, o futuro voltará a ser sonhado (NOGUEIRA, 2003, p.233).

Referências:

GONH, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2003.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a Sociedade Civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. 
___________. As três idéias de sociedade civil, o Estado e a politização. In: COUTINHO, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Andréa. (orgs.) Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

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