sábado, 30 de julho de 2011

Os novos movimentos sociais


Willer Tavares Alves

A atuação dos movimentos sociais foi elemento de grande importância nas transformações da realidade política e social de diversos países em todo o mundo. Melhorias na vida do trabalho, conquista de direitos, derrubada de regimes políticos autoritários são exemplos notórios da relevância da articulação dos indivíduos, que rompendo o isolamento e o individualismo, conseguem mobilizar ações com grande capacidade de pressão.

Dentro de uma abordagem clássica esses movimentos sociais estão associados majoritariamente à exploração da força de trabalho e às desigualdades produzidas por ela, o que demandava principalmente a luta por políticas sociais e direitos trabalhistas.

Todavia, a complexificação das relações sociais em virtude do processo de expansão e consolidação capitalista e da globalização, provocaram nas sociedades modernas a necessidade do reconhecimento de novos direitos e de políticas públicas voltadas para o reconhecimento da identidade de determinados grupos sociais chamados de “minorias” (MELUCCI apud BRASIL, 2011).

Esse novo contexto ocasiona o surgimento dos denominados “novos movimentos sociais” que se caracterizam basicamente por possuírem, diferentemente dos antigos movimentos sociais, um modelo teórico baseado na cultura, que concebe os sujeitos como atores sociais e destacam a política como dimensão da vida social. Além disso, é importante relatar que eles refutam a ortodoxia marxista, e busca uma nova forma de fazer política e relacionar-se com o Estado, dispensando o caráter clientelista que marcam as antigas relações. Trava-se agora uma luta pelos direitos sociais. Essa correlação íntima com o poder estatal é substituída pela utilização da mídia e protestos, entre outros meios de pressionar o Estado.  (GOHN, 2007).

Os novos movimentos sociais abrem espaços para atores sociais e culturais que não estavam na cena pública e não tinham visibilidade, como as mulheres, negros, jovens, índios e outros (GONH apud BRASIL 2011).

Gohn destaca também a influência dos movimentos sociais na criação dos Conselhos de políticas públicas originários da Constituição Federal ou mesmo os conselhos comunitários. Esses espaços apresentam grande importância política, pois possibilitam a participação popular nas decisões do Estado, constituindo um forte instrumento de controle social competente para acompanhar todo o ciclo de formação das políticas públicas.

Constituem também um lócus de intensa disputa de interesses presentes no interior da sociedade civil e do Poder Público. Ressalta-se que a composição da sociedade civil é heterogênea, englobando movimentos sociais, ONG’s, representações empresariais, igrejas, os quais estratégias a fim de potencializar sua capacidade de pressão sobre os agentes públicos e influenciar na formação agenda a ser cumprida pelo Estado.

Dessa forma, os movimentos de gênero estão inseridos nessa nova configuração dos movimentos sociais. A sua capacidade de articulação e inserção midiática são essenciais no atendimento de suas demandas, especialmente no que se refere à construção de políticas afirmativas capazes de desconstruir o processo histórico de desvalorização de determinados grupos sociais, a exemplo das mulheres e negros.

Os movimentos sociais têm papel relevante na mobilização da sociedade e no acesso universal aos direitos de cidadania em sua integralidade. A participação social é o caminho para a cidadania e para viabilização de uma redefinição inovadora no cenário político e cultural no Brasil, que assegurará um país mais justo, menos preconceituoso e desigual.

Referências
BRASIL. Políticas Públicas e promoção da Igualdade. Módulo I. Brasília: Secretaria de Políticas para Mulheres, 2010.

GONH, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. 6.ed. São Paulo: Loyola, 2007.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Apresentação do tema e principais conceitos


O tema central abordado neste blog refere-se aos conteúdos teóricos, pesquisas, vivências e estudos das formas organizativas dos movimentos sociais de gênero, na perspectiva de raça e etnia.

Ao longo dos séculos nossa sociedade tem atribuído valores positivos aos homens e negativos às mulheres, a ideologia da inferioridade, da incapacidade feminina tem dado lugar às muitas formas de exploração, violência e segregação da mulher, o que lhe confere um lugar socialmente a ser ocupado.

Para entender melhor este assunto partiremos pela definição de alguns conceitos principais, como o de gênero: que é a relações entre homens e mulheres, não propriamente, à identidade associada ao sexo masculino ou feminino. É uma construção social histórica na qual fazem parte os processos culturais, sociais, políticos e morais que atribuem valores a essas relações, frequentemente designando mulheres a uma posição inferior.

A desvantagem para a mulher vai além da questão de gênero, ela também ocorre pela cor de sua pele, pelas características fisiológicas e por sua descendência, ou seja, pela sua raça e etnia. Ocorrem aqui várias discriminações: ser mulher, ser negra e/ou pertencer a um determinado grupo étnico.

O conceito de raça: refere-se ao âmbito biológico, suas características físicas, as diferenças mais comuns referem-se à cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética. No passado o termo foi utilizado para justificar diferenças entre grupos humanos, baseando-se de que havia grupos “superiores” e grupos “inferiores”. A etnia: refere-se ao âmbito cultural – destacando as características de um grupo como herança genética, a linguísticas e aspectos culturais.

Tendo em vista todo este processo histórico e cultural, percebemos que a notória situação de vulneralibidade que as mulheres estão expostas, sua condição de discriminação demanda de ações governamentais para erradicar os processos exclusão e permitir uma real mobilidade social.

Com o objetivo de minimizar os efeitos das desigualdades e da exclusão, a sociedade civil através entidades organizadas, de conselhos de direitos, de ONG’s, de grupos representativos e toda e qualquer forma de movimentos sociais, se fazem representar como coletivo para pressionar o Estado por produzir políticas públicas que apresentem resultados, como: diretrizes, leis, programas elaborados pelo governo para atender as demandas da população com ações para a resolução de problemas ligados à sociedade como um todo em curto e longo prazo, englobando saúde, educação, segurança, entre outros.

Os movimentos sociais são grupos normalmente excluídos que desenvolvem processos, constroem estruturas, organizam territórios das mais diversas formas. O movimento social conscientiza as pessoas de seu isolamento e lhe dá identidade, dignidade na garantia de seus direitos.

A resposta do Estado vem através de políticas públicas, que de um modo geral vem contribuir para a redução das mazelas sociais, e seu movimento se dará frente as pressões da sociedade para garantir a emancipação e autonomia dos atores sociais.

As políticas afirmativas representam um importante potencializador de diminuição das desigualdades, pois visa oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação. Um bom exemplo de políticas afirmativas são as Cotas para estudantes nas universidades.

No âmbito global, as políticas universalistas instituem regras e normas gerais que envolvem todos no mesmo patamar que devem ser seguidos como base para os estados elaborarem seus projetos locais que possibilitam mais eficácia na garantia dos direitos dos cidadãos.

A sociedade se movimenta através da participação e do envolvimento de diversos seguimentos no sentido da desconstrução de antigos estigmas e do fortalecimento da coletividade, garantidos pela base dos princípios legais da igualdade e da equidade.

Referências:
Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP – GeR: módulo I / Orgs. Maria Luiza Heilborn, Leila Araújo, Andreia Barreto. – Rio de Janeiro : CEPESC; Brasília : Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.


                                                       

domingo, 24 de julho de 2011

Entrevista com Luiza Bairros, Ministra da Igualdade Racial do Brasil

 

Luiza Bairros, de 57 anos, é gaúcha de porto Alegre e uma das fundadoras do Movimento negro unificado (MNU). Fez sua graduação em Administração pública e Administração de empresas, no sul, e pós-graduação em Sociologia, na Michigan State University, nos Estados Unidos. Moradora de Salvador há mais de 30 anos, tornou-se pesquisadora associada do Centro de Recursos Humanos/ CRH, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundou, em parceria com a Conferência Nacional de Cientistas Políticos Negros (uma organização norte-americana), o Projeto Raça e Democracia nas Américas, que promove a troca de experiências entre estudantes de pós-graduação afro-brasileiros e pesquisadores afro-norte-americanos. Luiza também foi professora de Sociologia da Faculdade de direito da universidade Católica do Salvador (UCSAL). Em 2008, trouxe para dentro do estado da Bahia toda a sua experiência na luta contra o racismo e o sexismo, à frente da Secretaria de promoção da Igualdade, criada em 2006. Agora, como Ministra da Igualdade Racial do Brasil, Luiza assume um novo desafio, sem perder o olhar do movimento social.

  
Luiza Bairros

A grande diferença na Bahia é o peso da população negra dentro da população total do estado. Algo que não é apenas numérico, mas que também influencia. Toda a cultura baiana bebe fundamentalmente da contribuição das culturas de matriz africana que vieram para o Brasil e para a Bahia. Essa é a grande diferença, pois também faz existir na Bahia uma minoria branca muito mais coesa do seu lugar, dos seus espaços de poder. Portanto, as consequências ou os efeitos do racismo sobre a população negra na Bahia tende a ser um pouco mais pronunciados do que em outros Estados.

Eu não estou querendo dizer que exista um racismo na Bahia que seja pior do que em outros lugares, e sim que determinadas condições históricas e culturais produzem racismos que são diferenciados. Não é à toa que causa muito espanto para muitas pessoas o fato de Salvador só ter tido até hoje um único prefeito negro, a cidade que é o centro da influência negra no estado. É como se, de certa forma, os negros da Bahia tivessem sido colocados no lugar de provedores e mantenedores de uma cultura diferenciada, mas que não necessariamente essa força possa ser traduzida em outros espaços da vida social.

O quadro tem mudado nos últimos anos e a tendência é mudar cada vez mais, a partir do trabalho dos movimentos negros, quando estes oferecem uma consciência crescente de que esse espaço e essa influência que se tem no núcleo que se chama baianidade precisa ser refletida em outros espaços, em outros lugares, inclusive na política, no comando da cidade e do centro.


A senhora milita há muitos anos na questão racial. Qual diferença em atuar como militante na questão racial e ser secretária do Estado, quais os principais embates?

Em primeiro lugar eu sempre digo uma coisa: o Movimento Negro Unificado (MNU) mantinha na sua carta de princípios algo que, para mim, continua valendo: o dever do militante é combater o racismo onde quer que ele se faça presente. Então, tanto faz estar no movimento social quanto na estrutura do Estado, pois o combate permanece como tarefa principal. O que muda, e bastante, é a forma de fazer as coisas, pois o Estado é todo regulado. Existem normas e regras para absolutamente tudo o que se queira fazer, e é preciso que todas as iniciativas que nós temos se submetam a elas. Nesse sentido, torna a nossa atuação menos livre, por assim dizer, pois não tem como propor e fazer coisas que estejam fora daquilo que o projeto político do governo coloca.


Mas não existe conflito entre ser governo e movimento social?

Absolutamente, não existe conflito entre ser militante e gestora à medida que se reconheça as diferenças entre esses dois espaços. Permanece como gestora o compromisso com os direitos do povo negro, permanece como gestora o compromisso no combate ao racismo, mas entre a atuação no movimento social e a atuação do governo o que acontece é uma tradução. Nós traduzimos no governo aquilo que os movimentos sociais propõem. Mas essa tradução, como se sabe, nunca é literal. Existem diferenças do ponto de vista do sentido, existem adaptações que precisam ser feitas para que aquela agenda seja entendida nos termos que o Estado opera. Eu sempre coloco como exemplo que o movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No Estado, entretanto, nós trabalhamos com a noção de promoção da igualdade, o que não é necessariamente a mesma coisa, porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido.


Dê um exemplo.

Os Estados Unidos. Não há dúvida que, ao longo dos anos, uma parcela significativa da população afroamericana conseguiu uma inserção digna na sociedade de lá, sem que o racismo tenha acabado. Existe, portanto, essa oportunidade de se reconhecer direitos, sem que a opinião média das pessoas brancas a respeito dos negros mude fundamentalmente. É um jogo bastante complexo, mas é preciso estar muito consciente dele para que não se frustre a nossa participação dentro do Estado com expectativas que, em determinados momentos, não podem ser atendidas.

Quilombo, religião de matriz africana, juventude, segurança pública... Qual é a área mais delicada que o Estado tem que atuar na questão racial?

Todas as áreas apresentam algum nível de dificuldade. Das que você citou, considero as comunidades quilombolas. Nós tivemos uma facilidade relativamente maior de trabalhar essa questão na estrutura do Estado. No que se refere aos quilombos e se pensarmos no ponto de vista das diretrizes estratégicas da Bahia, as nossas ações relativas se inserem na diretriz da promoção do desenvolvimento com a inclusão social e, como existe uma população rural que clama e sempre clamou por uma inclusão mais efetiva aos programas sociais, de infraestrutura e de incentivo à produção, nós conseguimos, então, inserir as comunidades quilombolas dentro dessa outra agenda mais ampla. E os serviços e benefícios também chegam juntos. Existe sempre a possibilidade de emergirem conflitos de terra. Sempre há um fazendeiro disputando aquele espaço e isso é o que tem provocado uma lentidão maior nas possibilidades.


E as religiões de matrizes africana?

Aí a dificuldade é mais em função da novidade do tema. Especialmente no caso da Bahia, os terreiros de candomblé ou pelo menos alguns deles, sempre foram reconhecidos por quem estava no poder, mas eu acredito que naquele período o tipo de relação que se estabelecia era uma pouco respeitosa com essas religiões à medida que se davam em cima de uma relação de clientelismo. O que nós temos procurado fazer agora é eliminar esse viés clientelista dessas, em segundo lugar, evidenciar que a necessidade de se proteger direitos dos terreiros de candomblé é algo que se vincula à questão do racismo, ou seja, a intolerância religiosa é uma questão de racismo nesse caso, pois se trata de religiões que foram trazidas ao Brasil pelos negros. Em terceiro lugar estabelecer um tipo de relação em que não haja interferência do Estado naquilo que exista de sagrado.

No que se refere à questão da juventude e da segurança pública, aí sim temos uma dificuldade de natureza diferente das anteriores, porque não é voz corrente ou uma ideia completamente acentuada em nenhum governo, de que esses conflitos entre a comunidade negra e a polícia não tenham uma base de racismo na sua origem. Existe uma dificuldade muito grande de se compreender isso dessa forma, na verdade, existe uma permanente negação de que o racismo possa ser uma das causas principais do porquê os negros são abordados pela polícia de forma mais frequente nas ruas, do porquê os jovens negros são objeto de ações muitas vezes mais violenta da polícia. Esse é um campo que temos ainda um longo caminho para percorrer.


Sua geração chegou ao poder, principalmente com a Dilma. E, mesmo assim, nós negros não chegamos juntos. Nossa representação ainda não é representativa. Como a senhora analisa essa questão?

É muito difícil falar dessas relações entre negros e brancos sem colocar o racismo no meio. Eu nem sempre fico utilizando o racismo como uma espécie de bode expiatório, em absoluto. A verdade é que o movimento negro, ao longo das últimas décadas no Brasil, sempre atuou em um espaço que não foi totalmente absorvido como parte da política em geral que se fez pela democratização da sociedade brasileira.

Nós não fomos contados como parte desse esforço que a sociedade fez e ainda faz para que nós tenhamos um país efetivamente justo, onde as pessoas possam participar com seus talentos, contribuir com suas histórias e experiências. Então, não termos chegado ao poder, ao mesmo tempo em que a geração de militantes brancos chegou, é em parte explicado por isso. Nós fizemos parte de um espaço de atuação política sem que se fossem feitas ou produzidas alianças de maneira que pudéssemos ser vistos como parte da solução no Brasil e não como parte dos problemas. A maior parte do tempo da nossa militância foi gasta e investida no sentido de provar para outras pessoas a legitimidade da nossa luta.

"O movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No estado, entretanto, nós trabalhamos com noção de promoção da igualdade, o que não é necessariamente a mesma coisa porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido".


E quando a senhora acha que conseguimos isso?

Em 1988, naquele processo do centenário da abolição, em que eu considero que a questão racial ganhou debate público, efetivamente. Edson Cardoso escreveu um trabalho naquele período analisando a imprensa brasileira e os principais jornais do país. É muito importante observar como nos editoriais e nos artigos que saíram durante aquele ano, nós do movimento negro não éramos nomeados. Éramos referidos como alguns setores, alguns grupos, mas não se dizia que existia um movimento negro.


Então, esse não reconhecimento do movimento negro como interlocutor político válido no Brasil provoca esse déficit que ainda temos?

Acredito que sim, mas penso que a tendência é que essa invisibilidade diminua. Ao mesmo tempo em que coloco isso, reconheço outras coisas. Nós temos nos governos estaduais órgãos como a SEPROMI, na Bahia, o que denota o fato de que, nessas discussões de qual é o papel do governo e quais são as ações prioritárias, as nossas questões de um certo modo têm que entrar e são contempladas. Isso está expresso nos planos plurianuais de vários governos, algo impensável até pouco tempo atrás. Está presente no próprio debate do Governo Federal quando da criação da SEPPIR, não há dúvida com relação a isso. Agora, o que nós precisamos é potencializar todos esses espaços, o da SEPROMI inclusive, para que possamos nos debates das prioridades e nas decisões (às vezes, até quase diárias) que se tomam dentro do governo do Estado, que se leve em consideração algo que para nós é um princípio: o da promoção da igualdade.


Qual foi o seu principal desafio como secretária de Estado?

Esses são os primeiros quatro anos de existência da secretaria sem que nós tivéssemos um modelo a seguir. Porque ela foi, diferentemente de outros lugares e do próprio Governo Federal, criada para atender tanto a promoção da igualdade racial como as políticas para as mulheres. Então, juntar em um mesmo espaço essas duas agendas enormes é um desafio permanente. Especialmente no caso da Bahia, implica em fazer também outro tipo de esforço para quebrar certa tradição, pois quem trabalha com igualdade racial não fala da mulher negra e quem trata de políticas para as mulheres tampouco trata de mulher negra também.

Quando se fala nos negros, em geral, são sempre os homens, e quando se fala nas mulheres, em geral, são sempre as mulheres brancas. Então, esse esforço de falar em políticas e a necessidade de incluir as mulheres negras, de falar e fazer em questão da igualdade racial, inclui, necessariamente, mulheres, homens, negros, crianças... Foi extremamente desafiante. Outro aspecto que é muito pouco observado é que essas agendas novas que trazemos para o governo demandam um tipo de profissional que, geralmente, não existe dentro do governo ou existem em poucos números.


O que de mais importante e palpável para a população o órgão que a senhora dirige pode oferecer?

As pessoas ou os grupos para os quais as políticas públicas se dirigem não estabelecem departamentos na sua vida, suas necessidades em educação, em saúde ou trabalho. As pessoas vivem essas necessidades e essas demandas de uma forma conjugada, até porque a saúde que eu tenho vai determinar as minhas possibilidades como força de trabalho, vai determinar as minhas possibilidades como pessoa que estuda e quer ter acesso ao conhecimento. A minha inserção no mercado tem relação com o tipo de educação que eu tive e por aí vai. Do lado do governo, temos também que pensar nas dimensões da vida das pessoas como coisas interligadas, se quisermos que o resultado seja concreto na vida delas.


Fonte: Revista Raça. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/150/paginas-pretas-agora-ministra-205527-1.asp. Acesso em: 22 jul. 2011.


Casos destacados que se ajustam ao tema escolhido

A comunidade pesquisada na qual foram levantadas alguns casos que se ajustam ao tema escolhido, está situada no distrito de Melgaço do município de Domingos Martins, na qual a maioria dos moradores é descendente da cultura pomerana, sendo a agricultura sua principal fonte de renda.

Conforme as observações na comunidade destacam-se como caso de estudo “O cotidiano da mulher pomerana no campo” tema escolhido para um aprofundamento maior no subgrupo 05.

Outra questão relevante para um estudo na comunidade são os negros que vieram para a colheita do café e permaneceram entre os pomeranos, muitos como meeiros, outros já adquiriram em pedaço de terra. Assim, sente-se a necessidade de investigar como se dá a convivência entre os descendentes de negros que trouxeram consigo o seu modo de viver e os descendentes pomeranos que conservam seus costumes e tradições bem como a língua de sua cultura.

O que nos chama a atenção que são dois grupos que viveram durante muito tempo excluído que vem gritando pelos seus direitos por igualdade de participação do desenvolvimento geral da sociedade.

Também como tema de estudo sente-se a necessidade analisar as comunidades pomerana na qual permanecem as cicatrizes dos tempos de guerra que sofreram em sua terra natal e toda a dificuldade que passaram no início que fez com que o próprio grupo durante muito tempo buscou se isolar do resto da sociedade buscando essa proteção entre as montanhas capixabas. Portanto o estudo promoveria averiguar como os descendentes pomeranos estão vivendo e promovendo a sua inserção e a participação para adquirir seus direitos por uma vida justa e igualitária. Neste mesmo estudo pode-se analisar como este grupo que ainda tem sua cultura conservada está interagindo com as tecnologias que o mundo oferece.

Os temas citados acima são considerados pelo grupo como merecedor de estudo em relação ao tema escolhido dentro da comunidade pomerana.

Ain reer (Uma conversa entre mãe e filho pomerano)

 A conversa abaixo mostra que a nova geração sente-se excluída e desejam a igualdade perante a sociedade.


MÂE: Kind, horg doch ais, ik bün dijn mama!
[Filho, escute-me, eu sou sua mãe!]

FILHO: Você é minha mãe, mas não dependo de você.

MÂE: Duu büst ni grout naug taum dij dreigen.
[Você não é maduro o suficiente para se virar sozinho.]

FILHO: Posso me virar sim!

MÂE: Ach, dat sägst duu man!
[Ah! Isso é o que você fala!]

FILHO: Posso me virar longe desta roça.

MÂE: Daí tiijd is swår alaweegend.
[Os tempos estão dificieis em qualquer lugar.]

FILHO: Mas não tão ruim quanto aqui.

MÂE: reer ais pomerisch mit mij; dat löt grår sou’s duu dat al forgeeta häst!
[Fale o pomerano comigo, até parece que você já esqueceu!]

FILHO: Não esqueci, mas não gosto de falar, as pessoas riem de mim.

MÂE: Dat is doch ni taum schäämen, klair kind.
[Isso não é de se envergonhar.]

FILHO: Ser chamado de pomeranozinho da vergonha sim.

MÂE Gå ni nå dai andrer. Låt’s wat’s wila!
[Não se deixe levar pelos outros. Deixe-os falar como quiserem!

FILHO: Eu não quero isso pra mim! Eu quero usar roupas iguais aos meus colegas, ser inteligentes igual a eles.

MÂE: wij sin uk lüür, häwa dai selwig weirt!
[Nós também somos gente, temos o mesmo valor!]

FILHO: Eu quero ser diferente!

MÂE: Aners sin wij egål, dat giwt kain lüür wat oiwerrain sin!
[Diferente nós somos, não existem pessoas iguais!]

FILHO: Ach, låt mij ais speela gåa!
[Ah, Deixe eu ir brincar!]

Autor: Celso kalke, conversa retirado do livro, “Mar Azul-Blåg Sei“

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O cotidiano das mulheres pomeranas no campo

Edir Marli Föeger

As mulheres sempre tiveram um papel importante direta indiretamente na luta pelo desenvolvimento da sociedade, porém muitas delas continuam oprimidas sem direito a opinião tendo que conciliar o mundo do trabalho com as tarefas domésticas, e o cuidado dos filhos considerado uma atribuição natural das mulheres.

Ao observar a realidade do interior do município de Domingos Martins principalmente nas regiões onde há uma concentração maior da população pomerana campesina, da qual faço parte e convivo diariamente, se observa que as mulheres ainda são desvalorizadas para a participação no desenvolvimento da sociedade.

Conforme as observações e a convivência se percebe de que não há dúvidas que as mulheres rurais são duplamente discriminadas: por sua condição de mulher e de trabalhadora. Elas realizam dupla ou tripla jornada de trabalho, tendo que conciliar sua vida em casa e na roça, e mesmo assim, seu trabalho rural não é reconhecido e respeitado. Em relação à busca do direito da igualdade através do reconhecimento Fraser afirma que “Justiça, hoje, requer tanto redistribuição quanto reconhecimento; nenhum deles, sozinho, é suficiente” (apud GPP – GeR:mod1_unidade2_texto1). Assim a igualdade social é tão importante quanto o reconhecimento das diferenças e da importância de cada grupo para o desenvolvimento da sociedade.

Trazendo a idéia sobre a discriminação da mulher para o cotidiano das comunidades pomeranas a questão do gênero é nitidamente vista nas igrejas, onde normalmente as mulheres sentam de um lado e os homens do outro lado. Atualmente se percebe que alguns casais mais novos estão começando a mudar essa realidade.

Outra questão observável na comunidade, na qual ainda há casos de exclusão da mulher entre algumas famílias pomeranas é na hora da distribuição da herança, pois a tradição era de que as filhas não recebiam herança de casa, apenas os homens eram os beneficiados. A legislação brasileira garante a igualdade a todos, porém apesar de não existir um caminho legal para tal situação, algumas famílias ainda utilizam essa prática devido ao costume e tradição.

Também se percebe nos finais de semana quando muitos homens vão aos bares se divertir, enquanto as mulheres ficam em casa cuidando dos filhos e fazendo seus afazeres, na espera de seus maridos para o almoço ou o jantar.

Durante a semana as mulheres enfrentam a mesma rotina, onde normalmente são as primeiras a se levantarem para fazerem o serviço de casa e cuidar dos filhos para juntos irem com o marido e os filhos (que não estão na escola) trabalhar na lavoura. Na hora do almoço cuidam da casa e da criação, enquanto os homens assumem os serviços externos, como: consertar um galinheiro, pregar uma porta, buscar ração para os animais, etc., assim à tarde retornam a lavoura. À noite novamente cuidam de seus afazeres de casa e dos filhos, enquanto os maridos cuidam dos serviços externos, e há casos ainda que muitos homens buscam se divertir nos "botecos" depois do trabalho.

O camponês pomerano possui uma relação forte com o trabalho. Ramlow (2004), descreve que o trabalho é considerado pelos camponeses, descendentes da cultura pomerana como algo seguro, necessário para a sobrevivência.

A relação que as famílias têm com o trabalho, pode ser explicada a partir da fala de Willis
Força de trabalho é a capacidade humana para trabalhar sobre a natureza com o uso de instrumentos para produzir coisas para a satisfação de necessidades, e para a reprodução da vida. O trabalho não é uma atividade humana universal, imutável e trans-histórica, ele assume formas e significados específicos em diferentes tipos de sociedade (apud WEBER 1998, p.88).

Nas famílias pomeranas campesinas todos os membros trabalham na lavoura, porém muitas das mulheres pomeranas não têm direito a opinião sobre o trabalho e há casos onde sofrem caladas de violência doméstica, pois vivem submissas aos homens, por não terem uma formação para viverem independentes, acabam se sujeitando a submissão e na maioria das vezes não são reconhecidas, nem consideradas pelos "homens" e muito menos pelo Estado.
A distribuição de papéis sociais, de acordo com o gênero masculino e feminino, leva a uma caracterização de que o grupo social tende a apresentar uma relação de dominação do homem sobre a mulher (WEBER 1998, p. 87)

Vale ressaltar, que é um grupo que tem a sua cultura preservada, portanto se percebe que muitas atitudes vistas na realidade local ocorrem pelo fato da própria tradição cultural e de costumes.

De acordo com RAMLOW (2004), trata-se de um povo que mantém seus valores e tradições trazidas pelos seus antepassados que vieram da Europa para o Brasil, em busca de melhores condições de vida.

Segundo Tressman (2006), estima-se que a atual população descendente pomerana no Espírito Santo gire em torno de 120 mil pessoas e em termos de Brasil, talvez ultrapasse 300 mil imigrantes pomeranos que mantiveram o uso da língua, as suas festas com seus rituais e danças, além dos costumes culturais, os ritos de passagem como confirmação (crisma), casamento, morte e a continuidade da tradição oral camponesa.

O machismo é uma questão impregnada nos costumes e valores herdados nas famílias camponesas pomeranas, essa herança faz com que a formação dos indivíduos ocorra dentro de moldes conservadores, onde vêem a mulher muitas vezes como ineficientes para atuar em alguns setores ou assumir determinadas responsabilidades. É a famosa submissão da mulher.

É preciso implementar políticas públicas, voltadas para as mulheres  do campo adquirem a consciência dos seus direitos, lutando por eles, diminuindo as injustiças, as desigualdades sociais e democratizando o acesso a igualdade de condições de gênero, raça e etnia, a fim de uma maior valorização dentro da sociedade. Vale analisar, junto com homens e mulheres os comportamentos, as atitudes, as crenças, os valores, as normas, as regras e os códigos criados pela cultura, pela tradição de uma sociedade conservadora.

Observa-se que a Igreja Luterana sempre teve um papel fundamental na vida dos camponeses pomeranos, ajudando-os na preservação de sua cultura, dando continuidade às tradições de rituais considerados importantes pelo grupo.

Conforme RÖELKE (1996), WEBER (1998) e RAMLOW (2004), os pomeranos, em sua maioria, são membros da igreja Luterana, sendo que a mesma exerce maior influência sobre o pomerano do que as demais autoridades.

Assim compete também à igreja realizar um trabalho que possibilite as mulheres uma consciência da importância de "movimentos de mulheres" para adquirirem no coletivo a sua liberdade de opinar e os direitos da igualdade. Pois, o desejo de igualdade é conquistado através dos movimentos sociais que buscam políticas que assegurem os direitos de cada cidadão.
A realidade mostra que já existem alguns avanços, principalmente de pessoas que tem oportunidades de adquirir conhecimentos formais, porém não é suficiente para a reversão do quadro de desigualdades e exclusão existente na comunidade.

Observa-se a necessidade de uma organização de movimentos para o grupo citado acima, pois o que se evidencia neste contexto é uma distância entre o ideário de igualdade e o cotidiano, como também mitos de  inferioridade feminina desencadeando processos de exclusão.
Faz-se necessário redefinir os horizontes de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, brancos e negros, estabelecendo políticas públicas explícitas de inclusão de gênero e raça.

Na realidade a mulher campesina no geral precisa desenvolver o senso crítico, serem sensibilizadas para a importância dos movimentos sociais organizados por grupos normalmente excluídos que desenvolvem processos, constroem estruturas, organizam territórios das mais diversas formas. O movimento social conscientiza as pessoas de seu isolamento e lhe dá identidade, dignidade para a busca de seus direitos.

Certo de que este estudo é apenas início de uma discussão acerca da participação da mulher no processo de luta para o fim da discriminação de gênero e o racismo, além de redefinir o papel de mulheres e homens no cotidiano desses sujeitos, assim como, fortalecer o significado da luta e das mulheres para a sua emancipação. 

Referências:
Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP – GeR: módulo I / Orgs. Maria Luiza Heilborn, Leila Araújo, Andreia Barreto. – Rio de Janeiro : CEPESC; Brasília : Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.

RAMLOW, Leonardo. Conflitos no processo de ensino-aprendizagem escolar de crianças de origem pomerana: diagnóstico e perspectiva. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

RÖLKE, H. R. Descobrindo raízes: aspectos geográficos, históricos culturais da Pomerânia. Vitória: UFES. Secretaria de produção e difusão cultural, 1996.

TRESSMAN, Ismael. O Pomerano: uma língua da família germânica e subfamília baixo-saxão. Apostila do Projeto de Educação Pomerana (PROEPO), 2006.

WEBER, Gerlinde Merklein. A escolarização entre descendentes pomeranos em Domingos Martins. Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1998.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Formas Organizativas dos Movimentos Sociais de Gênero

Blog destinado ao estudo dos movimentos sociais de gênero, na perspectiva de raça e etnia, apresentando conteúdos teóricos, pesquisas e links relacionados.