sexta-feira, 22 de julho de 2011

O cotidiano das mulheres pomeranas no campo

Edir Marli Föeger

As mulheres sempre tiveram um papel importante direta indiretamente na luta pelo desenvolvimento da sociedade, porém muitas delas continuam oprimidas sem direito a opinião tendo que conciliar o mundo do trabalho com as tarefas domésticas, e o cuidado dos filhos considerado uma atribuição natural das mulheres.

Ao observar a realidade do interior do município de Domingos Martins principalmente nas regiões onde há uma concentração maior da população pomerana campesina, da qual faço parte e convivo diariamente, se observa que as mulheres ainda são desvalorizadas para a participação no desenvolvimento da sociedade.

Conforme as observações e a convivência se percebe de que não há dúvidas que as mulheres rurais são duplamente discriminadas: por sua condição de mulher e de trabalhadora. Elas realizam dupla ou tripla jornada de trabalho, tendo que conciliar sua vida em casa e na roça, e mesmo assim, seu trabalho rural não é reconhecido e respeitado. Em relação à busca do direito da igualdade através do reconhecimento Fraser afirma que “Justiça, hoje, requer tanto redistribuição quanto reconhecimento; nenhum deles, sozinho, é suficiente” (apud GPP – GeR:mod1_unidade2_texto1). Assim a igualdade social é tão importante quanto o reconhecimento das diferenças e da importância de cada grupo para o desenvolvimento da sociedade.

Trazendo a idéia sobre a discriminação da mulher para o cotidiano das comunidades pomeranas a questão do gênero é nitidamente vista nas igrejas, onde normalmente as mulheres sentam de um lado e os homens do outro lado. Atualmente se percebe que alguns casais mais novos estão começando a mudar essa realidade.

Outra questão observável na comunidade, na qual ainda há casos de exclusão da mulher entre algumas famílias pomeranas é na hora da distribuição da herança, pois a tradição era de que as filhas não recebiam herança de casa, apenas os homens eram os beneficiados. A legislação brasileira garante a igualdade a todos, porém apesar de não existir um caminho legal para tal situação, algumas famílias ainda utilizam essa prática devido ao costume e tradição.

Também se percebe nos finais de semana quando muitos homens vão aos bares se divertir, enquanto as mulheres ficam em casa cuidando dos filhos e fazendo seus afazeres, na espera de seus maridos para o almoço ou o jantar.

Durante a semana as mulheres enfrentam a mesma rotina, onde normalmente são as primeiras a se levantarem para fazerem o serviço de casa e cuidar dos filhos para juntos irem com o marido e os filhos (que não estão na escola) trabalhar na lavoura. Na hora do almoço cuidam da casa e da criação, enquanto os homens assumem os serviços externos, como: consertar um galinheiro, pregar uma porta, buscar ração para os animais, etc., assim à tarde retornam a lavoura. À noite novamente cuidam de seus afazeres de casa e dos filhos, enquanto os maridos cuidam dos serviços externos, e há casos ainda que muitos homens buscam se divertir nos "botecos" depois do trabalho.

O camponês pomerano possui uma relação forte com o trabalho. Ramlow (2004), descreve que o trabalho é considerado pelos camponeses, descendentes da cultura pomerana como algo seguro, necessário para a sobrevivência.

A relação que as famílias têm com o trabalho, pode ser explicada a partir da fala de Willis
Força de trabalho é a capacidade humana para trabalhar sobre a natureza com o uso de instrumentos para produzir coisas para a satisfação de necessidades, e para a reprodução da vida. O trabalho não é uma atividade humana universal, imutável e trans-histórica, ele assume formas e significados específicos em diferentes tipos de sociedade (apud WEBER 1998, p.88).

Nas famílias pomeranas campesinas todos os membros trabalham na lavoura, porém muitas das mulheres pomeranas não têm direito a opinião sobre o trabalho e há casos onde sofrem caladas de violência doméstica, pois vivem submissas aos homens, por não terem uma formação para viverem independentes, acabam se sujeitando a submissão e na maioria das vezes não são reconhecidas, nem consideradas pelos "homens" e muito menos pelo Estado.
A distribuição de papéis sociais, de acordo com o gênero masculino e feminino, leva a uma caracterização de que o grupo social tende a apresentar uma relação de dominação do homem sobre a mulher (WEBER 1998, p. 87)

Vale ressaltar, que é um grupo que tem a sua cultura preservada, portanto se percebe que muitas atitudes vistas na realidade local ocorrem pelo fato da própria tradição cultural e de costumes.

De acordo com RAMLOW (2004), trata-se de um povo que mantém seus valores e tradições trazidas pelos seus antepassados que vieram da Europa para o Brasil, em busca de melhores condições de vida.

Segundo Tressman (2006), estima-se que a atual população descendente pomerana no Espírito Santo gire em torno de 120 mil pessoas e em termos de Brasil, talvez ultrapasse 300 mil imigrantes pomeranos que mantiveram o uso da língua, as suas festas com seus rituais e danças, além dos costumes culturais, os ritos de passagem como confirmação (crisma), casamento, morte e a continuidade da tradição oral camponesa.

O machismo é uma questão impregnada nos costumes e valores herdados nas famílias camponesas pomeranas, essa herança faz com que a formação dos indivíduos ocorra dentro de moldes conservadores, onde vêem a mulher muitas vezes como ineficientes para atuar em alguns setores ou assumir determinadas responsabilidades. É a famosa submissão da mulher.

É preciso implementar políticas públicas, voltadas para as mulheres  do campo adquirem a consciência dos seus direitos, lutando por eles, diminuindo as injustiças, as desigualdades sociais e democratizando o acesso a igualdade de condições de gênero, raça e etnia, a fim de uma maior valorização dentro da sociedade. Vale analisar, junto com homens e mulheres os comportamentos, as atitudes, as crenças, os valores, as normas, as regras e os códigos criados pela cultura, pela tradição de uma sociedade conservadora.

Observa-se que a Igreja Luterana sempre teve um papel fundamental na vida dos camponeses pomeranos, ajudando-os na preservação de sua cultura, dando continuidade às tradições de rituais considerados importantes pelo grupo.

Conforme RÖELKE (1996), WEBER (1998) e RAMLOW (2004), os pomeranos, em sua maioria, são membros da igreja Luterana, sendo que a mesma exerce maior influência sobre o pomerano do que as demais autoridades.

Assim compete também à igreja realizar um trabalho que possibilite as mulheres uma consciência da importância de "movimentos de mulheres" para adquirirem no coletivo a sua liberdade de opinar e os direitos da igualdade. Pois, o desejo de igualdade é conquistado através dos movimentos sociais que buscam políticas que assegurem os direitos de cada cidadão.
A realidade mostra que já existem alguns avanços, principalmente de pessoas que tem oportunidades de adquirir conhecimentos formais, porém não é suficiente para a reversão do quadro de desigualdades e exclusão existente na comunidade.

Observa-se a necessidade de uma organização de movimentos para o grupo citado acima, pois o que se evidencia neste contexto é uma distância entre o ideário de igualdade e o cotidiano, como também mitos de  inferioridade feminina desencadeando processos de exclusão.
Faz-se necessário redefinir os horizontes de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, brancos e negros, estabelecendo políticas públicas explícitas de inclusão de gênero e raça.

Na realidade a mulher campesina no geral precisa desenvolver o senso crítico, serem sensibilizadas para a importância dos movimentos sociais organizados por grupos normalmente excluídos que desenvolvem processos, constroem estruturas, organizam territórios das mais diversas formas. O movimento social conscientiza as pessoas de seu isolamento e lhe dá identidade, dignidade para a busca de seus direitos.

Certo de que este estudo é apenas início de uma discussão acerca da participação da mulher no processo de luta para o fim da discriminação de gênero e o racismo, além de redefinir o papel de mulheres e homens no cotidiano desses sujeitos, assim como, fortalecer o significado da luta e das mulheres para a sua emancipação. 

Referências:
Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP – GeR: módulo I / Orgs. Maria Luiza Heilborn, Leila Araújo, Andreia Barreto. – Rio de Janeiro : CEPESC; Brasília : Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.

RAMLOW, Leonardo. Conflitos no processo de ensino-aprendizagem escolar de crianças de origem pomerana: diagnóstico e perspectiva. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

RÖLKE, H. R. Descobrindo raízes: aspectos geográficos, históricos culturais da Pomerânia. Vitória: UFES. Secretaria de produção e difusão cultural, 1996.

TRESSMAN, Ismael. O Pomerano: uma língua da família germânica e subfamília baixo-saxão. Apostila do Projeto de Educação Pomerana (PROEPO), 2006.

WEBER, Gerlinde Merklein. A escolarização entre descendentes pomeranos em Domingos Martins. Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1998.

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