quarta-feira, 30 de maio de 2012

Considerações sobre a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06


*Henriqueta R. C. Froz

Segundo os preceitos de Alves (2006), ficou conhecida como Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica citada anteriormente, que no ano de 1983 foi vítima de uma tentativa de homicídio por seu ex-marido. A lei sancionada no dia 7 de agosto de 2006, de acordo com o art. 1°, das disposições preliminares, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A lei, em sua forma de aplicação, é vista como mecanismo que encoraja as mulheres a denunciar e formalizar as agressões ou outros tipos de violência sofrida. Ela prevê medidas cuja função é protegê-las quando em situação de violência ou ameaçadas de morte, como, por exemplo, o afastamento compulsório do agressor, que passa a não poder se aproximar da vítima e dos filhos, se o tiverem.

Em termos gerais, a lei tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher, determinando que esta pode ser tanto física, quanto psicológica, sexual, patrimonial e/ou moral. Também estabelece que esta violência independe da orientação sexual, significando dizer que pode ocorrer dentro da esfera de uma conjugalidade homoafetiva.

Seu art. 5º permite uma interpretação de reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo. Determina que uma possível renúncia à denúncia, por parte da vítima, só poderá ocorrer perante o juiz, extingue as penas pecuniárias e permite que bens, possivelmente retirados por meio de procurações, possam ser reavidos. Em caso de decisão pela detenção do agressor, a pena é triplicada, passando de seis meses a um ano (Lei n° 9.099/95), para no mínino três meses e no máximo três anos. Determina que a vítima seja notificada dos atos processuais como, por exemplo, ingresso e saída do agressor da prisão.

Retira dos juizados especiais criminais a competência para julgar este tipo de crime e determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher. Altera o código de processo penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher e modifica a lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

Por fim, prevê que, no caso de violência doméstica cometida contra mulher com deficiência, a pena seja aumentada em um terço. Quanto à sua aplicação, prevê um capítulo específico para o atendimento dos casos de violência doméstica contra a mulher, permitindo que a autoridade policial prenda o agressor em flagrante sempre que houver qualquer uma das formas de violência doméstica contra a mulher.

Além de uma maior severidade em relação ao agressor, a lei estabelece medidas de assistência social às mulheres vítimas de violência. Isto significa que podem ser cadastradas nos programas de assistência social dos governos federais, estaduais e municipais. Esta lei, entretanto, não é vista de forma unânime dentro do campo jurídico brasileiro. Existem vozes dissonantes, umas que apregoam o seu caráter positivo, outras, seu caráter negativo e/ou sua inconstitucionalidade. Os que a vêem positivamente consideram-na um mecanismo de diminuição da impunidade da violência doméstica, produzida pelo processamento judicial a partir da edição da lei nº 9.099/95.

Segundo esta ótica, a lei nº 9.099/95, ao atribuir aos Juizados Especiais Criminais a competência para processar o crime de menor potencial ofensivo, promoveu um abrandamento das penas por meio de restituição do dano através de pagamento em cesta básica ou de prestação de serviços à comunidade. O que é entendido, por parcela do campo jurídico, como uma banalização da violência doméstica e um desestímulo às vítimas em denunciar esses crimes, gerando nos agressores um sentimento de impunidade. Os que pensam sobre o caráter negativo da lei 11.340/06 apregoam-na como um retrocesso histórico nas questões de política criminal, por ofender os primados que irradiam da Justiça Restaurativa.

Segundo Silva (2007), esse modelo é pensado para corrigir distorções da Justiça Retributiva. Sua finalidade última é a punição do delinqüente e estrutura-se em um processo penal que vê o delito como ataque a ordem social e ao Estado, sem, no entanto, se preocupar com os interesses da vítima. Em oposição, a Justiça Restaurativa, segundo Silva (2007), pauta-se numa lógica de consenso dentro da qual vítima, agressor e membros da sociedade afetados por um crime participam juntos na construção da restauração dos danos provocados pelo crime.

No Brasil, conforme preceitos de Silva (2007), o Juizado Especial Criminal, concebido pela lei n.° 9.099/95, representou a adoção das práticas restaurativas, por situar, no processo penal, a vítima e o autor como peças centrais na resolução do problema. No entanto, a lei Maria da Penha é vista como promotora de uma ruptura na adoção de práticas restaurativas por “vedar a composição civil dos danos” no curso do processo, por impedir a renúncia ao direito de queixa ou de representação nos crimes de “ação pública condicionada”, tornando assim os crimes de lesão corporal leve e culposa de “ação penal pública incondicionada”.

Dentro desta ótica, a referida lei estaria sendo contrária à Constituição Federal, propondo tratamento desigual para homens e mulheres perante a família, perante o Estado e perante a Lei. De acordo com Pinheiro (2007), uma lei que dá margem para que seja considerado menos danoso o fato de um filho, com 18 anos de idade, agredir o pai do que ferir a mãe contraria sobremaneira o princípio da igualdade. Da mesma forma, permitir o entendimento de que haveria mais gravidade no fato de um pai se exceder nos meios disciplinares contra uma filha do que contra um filho do sexo masculino estaria ferindo os princípios constitucionais.

Diante desse cenário, importa pensar que, por mais que a sociedade Ocidental tenha se transformado em função de uma ideologia da igualdade entre os gêneros, permanece, no plano das relações sociais, uma desigualdade de poderes entre o universo masculino e feminino, que resguarda o lugar de dominação para o primeiro e de subordinação ao segundo. Sendo assim, é relevante a criação de mecanismos que, de forma “artificial”, possam promover uma mudança nessas relações, mesmo que, em um primeiro momento, o façam de uma forma compensatória.
 
*Texto adaptado de Alessandra de A. Rinaldi
Fonte: http://www.estacio.br/publicacoes/direitovivo/pdf/Artigo_Menezes.pdf. Acesso em: 25 de maio de 2012.

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